Especialista alerta: jogo contra a vida viraliza e chama a atenção para vulnerabilidade dos jovens

Recentemente, atividades realizadas por jovens e adolescentes brasileiros acendeu uma chama que se mostra um tabu perante a sociedade: a prática ou tentativa de tirar a própria vida por pessoas dessa faixa etária. Entre os fatores que levam as consequências constam dois fenômenos que já ocupam posição de destaque no contexto social, a depressão – vem sendo apontada como uma das síndromes mais presente no contexto de jovens e adolescentes, e o bullying – violência, física e psicológica, considerada como um dos maiores problemas que aflige a toda comunidade de educadores, familiares e todos os segmentos da sociedade. E mais recentemente uma espécie de “jogo da morte” vem assombrando a sociedade brasileira. Trata-se do desafio da “Baleia Azul”, difundido no mundo todo, que pode convencer o participante a fazer provas perigosas e até a se matar. Em virtude desse tema, nossa equipe conversou com o psicólogo e professor da disciplina de psicopatologia, João Paulo de Paiva, sobre essas patologias e o próprio desafio da “Baleia Azul”, e como pais ou responsáveis podem lidar com essas temáticas que assolam jovens e adolescentes.
Depressão
João Paulo de Paiva cita os principais motivos que levam os jovens e adolescentes a entrarem em depressão. Segundo ele, atualmente, os adolescentes são considerados como “mais espertos e inteligentes que os de antigamente”, principalmente devido a sua facilidade em lidar com as novas demandas tecnológicas. Ao mesmo tempo, esses adolescentes não são adultos – falta-lhes a liberdade e autonomia dos adultos e, consequentemente, eles também não podem desfrutar da irresponsabilidade da infância, dada a necessidade que têm de tomar certas decisões inerentes à sua faixa etária. Este exemplo de contradição ilustra bem o desconforto vivido por eles.
João Paulo de Paiva acrescenta que além desta situação, é necessário pensar nos fatores genéticos (se um dos familiares já teve um quadro depressivo, há uma maior chance de incidência em seus filhos) e nos traços afetivos da própria personalidade do adolescente, já que alguns podem ser considerados mais sensíveis e sentimentais que outros. Quanto às questões sociais, o psicólogo acrescenta que há ainda a necessidade de aceitação e de identificação com certos grupos de interesse, somada às exigências da vida cotidiana moderna, num mundo cada vez mais complexo e competitivo. Ainda em relação à família, observa-se que os conflitos comuns à adolescência tendem a agravar-se muito mais se este jovem estiver inserido numa família que também está em crise, seja por conflitos familiares, separação dos pais, por violência doméstica, alcoolismo de um dos pais, sérias dificuldades econômicas, pela presença de doença física ou por morte.
De acordo com o professor de psicopatologia, os sintomas mais comuns acerca da depressão são a diminuição de apetite ou distúrbios da alimentação (anorexia e bulimia), alterações no sono (dormir mais tarde ou acordar muito mais cedo do que costumava) ou cansaço excessivo, sonolência e exaustão, mesmo após ter dormido várias horas. “São comuns os prejuízos no desempenho acadêmico (escolar), uma lentidão do pensamento, descaso com higiene ou cuidados pessoais. Observa-se também uma diminuição da socialização, uma maior tendência ao isolamento em relação aos amigos e familiares”.
Não menos comum é o aparecimento de comportamentos hostis e agressivos, como uma exacerbação da tendência natural dos adolescentes de agir ao invés de falar, observa o especialista. “Em termos de sentimentos e sensações, pode ocorrer um aumento de irritabilidade, do sentir-se inquieto, ter dificuldades de concentração ou perder o interesse ou o prazer em atividades que antes gostava de realizar, bem como sentir-se desesperançado e ter sentimento de culpa e perda do prazer de viver”.
Bullying
Insultos, humilhações, desprezo. O bullying é um dos maiores problemas vivenciados por crianças e adolescentes. As consequências, se o caso não tiver acompanhamento, podem ser levadas para a vida toda. E, o pior, o ciclo pode nunca ter fim. Geralmente os autores das agressões e ofensas já foram vítimas. Segundo os especialistas, o bullying gera um alto índice de tentativas de suicídio, depressão e evasão escolar. E quem sofre, não costuma contar isso para outras pessoas, por isso os adultos devem ficar atentos.
Como o bullying geralmente acontece longe da visão dos adultos, o problema é mais difícil de ser percebido. Estar atento aos sintomas torna-se imprescindível para que alguma ajuda seja prestada antes que as vítimas tenham sequelas. “Para acabar com o bullying, não é só punindo. É preciso fazer uma campanha de conscientização. Quem é vítima, precisa ser ajudado. Quem é agressor, também precisa ser ajudado. É preciso fazer algo urgente sobre isso. O índice de tentativas de suicídio, de depressão, de evasão escolar com relação ao bullying está crescendo assustadoramente. A Organização Mundial da Saúde considera que há uma epidemia mundial”, explica João Paulo.
Baleia Azul
Um jogo que estimula o suicídio de adolescentes, iniciado na Rússia, atravessou a Europa e pode ter chegado ao Brasil. É o Blue Whale Challenge (Desafio da Baleia Azul), que chama a atenção de médicos, psicólogos e pais ao redor do mundo. Enquanto as autoridades russas contam nos últimos seis meses mais de 150 casos em que adolescentes vítimas do jogo, o Brasil começa a ter os primeiros sinais de que a prática cruzou o oceano.
No começo, as tarefas dadas aos adolescentes são mais simples: desenhar uma baleia em uma folha, passar a noite em claro ouvindo música triste ou vendo filme de terror. Depois, elas vão ficando mais perigosas: os participantes são ordenados a tatuar uma baleia no braço, feita com uma faca ou uma lâmina de barbear. Entre as tarefas, eles também são comandados a insultar os pais, se mutilar nos lábios e, no 50º desafio, atentar contra a própria vida. Os participantes dessa prática cumprem uma tarefa por dia. A lista do que fazer é entregue aos poucos por uma espécie de tutor, quase sempre o administrador de uma página secreta no Facebook. A todo momento, eles são avisados de que este é um jogo sem volta.
A moda do jogo virtual surgiu na esteira da estreia do lançamento da polêmica série do Netflix “13 Reasons Why”, que também aborda a temática do suicídio. “Temos visto um aumento no número de suicídios e depressão entre jovens no Brasil, por isso esse assunto está tão latente. É essencial que se fale disso. O diálogo é o principal caminho para a prevenção”, reforça João Paulo. Ele recomenda que os pais conversem com seus filhos sobre o jogo, se mostrem abertos a conversar e que ofereçam ajuda. Proibir e controlar o acesso à internet não são recomendados, pois podem gerar mais interesse, mas ter regras para o uso da tecnologia é importante. “E se os pais perceberem que o filho está participado mesmo da brincadeira e chegando a se colocar em risco ou se machucar, é importante levar a um profissional para que seja feita uma avaliação mais profunda de como o adolescente está”, afirma.
Prevenção
Em virtude das situações pertinentes a depressão, bullying e o desafio da “Baleia Azul”, que podem levar jovens e adolescentes a atos mais hostis contra a própria vida, João Paulo de Paiva recomenda que o assunto seja colocado mais em discussão entre especialistas, e membros da sociedade. “É de suma importância que haja debates sobre este assunto, uma vez que o mesmo é muitas vezes tratado como tabu ou como distante da realidade brasileira, quando o que acontece em nosso país é justamente o contrário, pois se estima que 25 pessoas tiram a própria vida por dia no Brasil. Segundo a OMS, a tendência é de crescimento dessas mortes entre jovens, especialmente nos países em desenvolvimento. Somente entre os brasileiros, nos últimos vinte anos, a taxa de suicídio cresceu 30% na faixa etária entre os 15 e 29 anos, tornando-se a terceira principal causa de morte de pessoas em plena vida produtiva no País. No mundo, cerca de um milhão de pessoas morrem anualmente por essa causa. A OMS estima que haverá 1,5 milhão de vidas perdidas por suicídio em 2020, representando 2,4% de todas as mortes. Assim sendo, quanto mais discutirmos sobre o tema, maiores chances teremos de desmistificarmos e diminuirmos o preconceito sobre ele, e assim ampliarmos a atenção dos familiares, o estabelecimento de políticas públicas de prevenção ao suicídio e as redes de proteção ao jovem em situação de risco de suicídio.
Segundo João Paulo, a prevenção a um comportamento suicida não é uma tarefa fácil. Como um problema de saúde pública, a intervenção interdisciplinar (com médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros) é de suma importância, a fim de que se crie uma rede de escuta e proteção a esse jovem. Porém, no que tange aos familiares e pessoas próximas, mostrar preocupação, cuidado e afeição, assim como focalizar nos sentimentos do jovem também é fundamental. “É muito importante oferecer uma escuta cordial, numa tentativa sincera de entender os motivos da ideação suicida, bem como acolher o jovem neste momento em que o mesmo está em risco, por estar claramente confuso e fragilizado”, finaliza.
Abaixo, a entrevista com o psicólogo e professor da disciplina de psicopatologia, João Paulo de Paiva:
Danilo Alves – Tribuna do Leste